Introdução
Estudado com lupa há séculos, por todas as disciplinas, o riso esconde seu mistério. Alternadamente agressivo, sarcástico, escarnecedor, amigá-vel, sardônico, angélico, tomando as formas da ironia, do humor, do burles-co, do grotesco, ele é multiforme, ambivalente, ambíguo. Pode expressar tanto a alegria pura quanto o triunfo maldoso, o orgulho ou a simpatia. É isso que faz sua riqueza e fascinação ou, às vezes, seu caráter inquietante, porque, segundo escreve Howard Bloch, "como Merlim, o riso é um fenômeno liminar, um produto das soleiras, ... o riso está a cavalo sobre uma dupla verdade. Serve ao mesmo tempo para afirmar e para subverter". Na encruzilhada do físico e do psíquico, do individual e do social, do divino e do diabólico, ele flutua no equívoco, na indeterminação. Portanto, tem tudo para seduzir o espírito moderno.
Fenômeno universal, ele pode variar muito de uma sociedade para outra, no tempo ou no espaço. Já em 1956, Edmund Bergler, em Laughter and sense of humour, apontava mais de oitenta teorias sobre a natureza e a origem do riso, e a lista prolongou-se depois. Se os etnólogos e os sociólogos exploraram largamente a panóplia geográfica do riso, os historiadores só recentemente se interessaram pelo fenômeno. Como sempre, preocupações ideológicas estavam na origem das investigações.
O lado subversivo e revolucionário do riso interessou os historiadores soviéticos em meados do século XX. Em 1954, Alexandre Herzen, lembrando que na Antigüidade "ria-se às escâncaras até Luciano" e que, "depois do século IV, os homens cessaram de rir, choraram sem descanso e pesadas cadeias caíram sobre o espírito, entre lamentações e remorsos de cons-ciência", declara: "Seria extremamente interessante escrever a história do riso". Alguns anos mais tarde, Mikhaïl Bakhtin põe-se a trabalhar e publica um livro que se tornou clássico, traduzido para o francês em 1970: A obra de François Rabelais e a cultura popular na Idade Média e sob a Renascença, magistral história do riso do século XIV ao XVI, dando resumos sobre os períodos anteriores e posteriores.
Dissertar sobre o riso é, com freqüência, frustrante, já que é preciso abster-se de citar uma multidão de anedotas e segurar o riso para relatar como riam nossos ancestrais. Esperamos, apesar de tudo, que nosso propósito faça sorrir, voluntária ou involuntariamente.
O riso faz parte das respostas fundamentais do homem confrontado com sua existência. O objetivo deste livro é reencontrar as maneiras como ele faz uso dessa resposta ao longo da História. Exaltar o riso ou condená-lo, colocar o acento cômico sobre uma situação ou sobre uma característica, tudo isso revela as mentalidades de uma época, de um grupo, e sugere sua visão global do mundo. Se o riso é qualificado às vezes como diabólico, é porque ele pôde passar por um verdadeiro insulto à criação divina, uma espécie de vingança do diabo, uma manifestação de desprezo, de orgulho, de agressividade, de regozijo com o mal. A civilização cristã, por exemplo, fica pouco à vontade para dar lugar ao riso, ao passo que as mitologias pagãs lhe conferem um papel muito mais positivo. Pode-se rir, e pode-se rir de tudo? A resposta a essas questões exige posições existenciais fundamentais.
Por fim, uma última dificuldade: o riso tem um aspecto individual e um aspecto coletivo. Uma história do riso é, ao mesmo tempo, uma história da festa, que coloca outra ordem de problemas. A junção dos dois não é evidente. Há festas solenes, sem riso. Contudo, nas dionisíacas, no Carnaval e nas saturnais, na festa dos loucos, admite-se que a festa, como o riso, rompe o curso ordinário das coisas e que seus vínculos são essenciais porque ambos abrem uma janela sobre outra coisa, sobre outra realidade, talvez uma utopia, como escreve Jean-Claude Bologne: "Um e outro quebram o circuito estabelecido entre a reprodução social e a adesão dos homens no curso de um júbilo material em que o excesso de energia ou o dinamismo próprio da espécie se abre sobre a premonição utópica de uma existência infinita em que o homem não estaria mais confinado nos quadros sociais".
Não se tratará de traçar a história da festa em si mesma, mas de explorar as relações complexas que ela estabelece com o riso, para avaliar a força social, política e cultural deste, que tanto pode ser um elemento subversivo quanto um elemento conservador. O riso não tem implicações psicológicas, filosóficas nem religiosas; sua função política e social — quando se pensa na sátira e na caricatura — é igualmente importante. O riso é um fenômeno global, cuja história pode contribuir para esclarecer a evolução humana.
O riso faz parte das respostas fundamentais do homem confrontado com sua existência. O objetivo deste livro é reencontrar as maneiras como ele faz uso dessa resposta ao longo da História. Exaltar o riso ou condená-lo, colocar o acento cômico sobre uma situação ou sobre uma característica, tudo isso revela as mentalidades de uma época, de um grupo, e sugere sua visão global do mundo. Se o riso é qualificado às vezes como diabólico, é porque ele pôde passar por um verdadeiro insulto à criação divina, uma espécie de vingança do diabo, uma manifestação de desprezo, de orgulho, de agressividade, de regozijo com o mal. A civilização cristã, por exemplo, fica pouco à vontade para dar lugar ao riso, ao passo que as mitologias pagãs lhe conferem um papel muito mais positivo. Pode-se rir, e pode-se rir de tudo? A resposta a essas questões exige posições existenciais fundamentais.
Por fim, uma última dificuldade: o riso tem um aspecto individual e um aspecto coletivo. Uma história do riso é, ao mesmo tempo, uma história da festa, que coloca outra ordem de problemas. A junção dos dois não é evidente. Há festas solenes, sem riso. Contudo, nas dionisíacas, no Carnaval e nas saturnais, na festa dos loucos, admite-se que a festa, como o riso, rompe o curso ordinário das coisas e que seus vínculos são essenciais porque ambos abrem uma janela sobre outra coisa, sobre outra realidade, talvez uma utopia, como escreve Jean-Claude Bologne: "Um e outro quebram o circuito estabelecido entre a reprodução social e a adesão dos homens no curso de um júbilo material em que o excesso de energia ou o dinamismo próprio da espécie se abre sobre a premonição utópica de uma existência infinita em que o homem não estaria mais confinado nos quadros sociais".
Não se tratará de traçar a história da festa em si mesma, mas de explorar as relações complexas que ela estabelece com o riso, para avaliar a força social, política e cultural deste, que tanto pode ser um elemento subversivo quanto um elemento conservador. O riso não tem implicações psicológicas, filosóficas nem religiosas; sua função política e social — quando se pensa na sátira e na caricatura — é igualmente importante. O riso é um fenômeno global, cuja história pode contribuir para esclarecer a evolução humana.
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