A obra Comunicação do grotesco (1972) de Muniz Sodré apresenta, em seu segundo capítulo, uma análise a respeito do carnaval e sua assimilação pelos veículos de comunicação massiva. De acordo com o autor, o sistema da cultura de massa se aplica sobre determinadas manifestações da cultura oral e as assimila, e cita o caso do carnaval que nos primórdios era considerado uma expressão coletiva e espontânea de diversão.
Carnaval na década de 30. Foto: Arquivo de Ramon Brandão. |
Bakhtin (1987) já dizia que a compreensão do grotesco se dá pela cultura popular por concebê-lo como um corpo social que se opõe ao corpo clássico, a exemplo do Carnaval em que a proibição imposta pela sociedade dita elevada é transformada em alegria nos festejos carnavalescos caracterizados pela inversão de valores, status, ordem, sexualidade, etc.:
Ao contrário da festa oficial, o carnaval era o fundo de uma espécie de libertação temporária da verdade dominante e do regime vigente, de abolição provisória de todas as relações hierárquicas, privilégios, regras e tabus. Era a autêntica festa do tempo, a do futuro, das alternâncias e renovações... (BAKHTIN, 1987, p. 8-9).
A festa, em toda sua história, sempre foi considerada um lugar de ritualização dos conflitos em torno do controle social. Nela, de acordo com Sodré e Paiva (2002), podem acontecer o caos das identidades socialmente estabelecidas (paródias, ritos de inversão de papéis sociais, entre outros), o descontrole das pulsões, e a subversão dos conceitos e das categorias (apelidos, jogos de linguagem). A festa guarda os traços semióticos da praça pública descrita por Bakhtin, mas além de expressão tradicional, ela é também um lugar de litígio entre cultura oficial/cultura popular ou rústico-plebeia.
Homens fantasiados de baiana em carnaval de rua (1946). Foto: O Globo. |
Sodré (1972) salienta que a partir de 1930 o comércio foi reorganizado em bases mais capitalistas, fazendo com que os grupos carnavalescos perdessem o auxílio financeiro antes recebido. Contudo, devido a sua fidelização como festa popular, a responsabilidades pela organização passou a ser dos órgão públicos. O carnaval, antes tido como rito de celebração comunitária, transformou-se, com o passar do tempo, em espetáculo e recebeu intensa divulgação através dos meios de comunicação de massa (televisão, revistas, jornais, cinema, etc.). Essa apropriação ocorreu de tal forma na manifestação oral que hoje impõe valores residuais da cultura oficial, como os temas históricos dos enredos das escolas de samba. Ou seja a cultura de massa assimilou o carnaval, mas deixou de lado o seu caráter de rito coletivo.
Foto: Google. |
Escatologia e Grotesco
Ainda em A comunicação do grotesco, Sodré afirma que as culturas orais estão intimamente ligadas a formas escatológicas que orientam seus mitos quanto ao homem, a natureza, o fim de todas as coisas. Escatologia significa doutrina das coisas finais e em Medicina é o estudo dos excrementos.
A cultura oral brasileira foi marcada desde suas origens afro-indiano-portuguesas, por Escatologia naturalista. O teratológico também faz parte da mitologia oral brasileira, é o caso da madrasta que é considerada uma figura impossível de substituir a mãe verdadeira.
O ethos da cultura de massa brasileira é fortemente marcado pelas influências escatológicas da tradição popular e o grotesco (o aberrante, o fabuloso, o macabro, o demente) parece ser a categoria estética mais apropriada para a apreensão desse ethos escatológico da cultura de massa nacional. Na cultura de massa brasileira, o grotesco é posto a serviço de um sistema que tenta compensar as angústias vividas pelos indivíduos dos grandes agrupamentos urbanos.
Marchinha de carnaval:
A "pipa" do vovô
A pipa do vovô não sobe mais!
A pipa do vovô não sobe mais!
Apesar de fazer muita força,
O vovô foi passado pra trás! (2x)
Ele tentou mais uma empinadinha,
Mas a pipa não deu nenhuma subidinha.
Ele tentou mais uma empinadinha,
Mas a pipa não deu nenhuma subidinha
A pipa do vovô não sobe mais!
A pipa do vovô não sobe mais!
Apesar de fazer muita força,
O vovô foi passado pra trás!
(Manuel Ferreira e Ruth Amaral)
Referências:
SODRÉ, Muniz. A comunicação do grotesco. Vozes, 1972. p. 34 - 39.
SODRÉ, Muniz; PAIVA, Raquel. O império do grotesco. Rio de Janeiro: MAUD, 2002.
BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento – o contexto de François Rabelais / tradução de Yara Frateschi. São Paulo: HUCITEC, Brasília, 1987.
SODRÉ, Muniz; PAIVA, Raquel. O império do grotesco. Rio de Janeiro: MAUD, 2002.
BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento – o contexto de François Rabelais / tradução de Yara Frateschi. São Paulo: HUCITEC, Brasília, 1987.
http://www.eliomar.com.br/rio-antigo-carnaval-de-rua-nos-bondes-na-decada-de-50/bloco
http://letras.mus.br/marchinhas-de-carnaval/497935/
http://letras.mus.br/marchinhas-de-carnaval/497935/
0 Deixe seu comentário::
Postar um comentário