O quadro Pegadinha do Mução consiste no telefonema a uma pessoa, a “vítima”, indicada por ouvintes que divulgam informações a respeito de algum apelido ou característica física odiada por ela. A princípio, o apresentador inicia a conversa de maneira agradável - em geral fazendo-se passar por um cliente ou pessoa interessada na realização de pesquisa de opinião - até proferir o apelido propriamente dito. A partir desse momento, uma sequência de palavrões e expressões de conteúdo vulgar com forte referência às partes baixas do corpo tornam-se o foco do Programa do Mução, na medida em que provocam o riso grotesco e cruel nos ouvintes e, consequentemente, repercussão e audiência.
Mução, por sua vez, volta a repetir insistentemente o nome indesejado da “vítima” que, descontrolada, como deixa transparecer por intermédio de sua fala, desliga o telefone. Contudo, não obtém sucesso, pois o personagem volta a ligar, sustentando a discussão constrangedora.
No quadro que analisamos , Mução se faz passar por cliente da oficina mecânica de Roberto (a “vítima”) cujo apelido indesejado é Mutreta, algo ilegal ou fora dos padrões, neste caso, uma referência à sexualidade do indivíduo.
Análise estética do fragmento do quadro
Decupagem do Programa do Mução veiculado em 06/10/2012. Para ter acesso ao artigo, clique aqui.
- MUÇÃO - Ei, quanté um negócio nas escondida, hein?
- ROBERTO - Rapaz, óia é o seguinte, você sabe o que eu fiz escondido, né?
- MUÇÃO - Fez não, faz!
- ROBERTO - Venha aqui dizer na minha cara, fila da pu...
- MUÇÃO - Mas foi na entoca!
- ROBERTO - Na entoca de quê? Entoca um cara... tais me achando com cara de quê?!
- MUÇÃO - Aí você já tá me tratando como caba safado.
- ROBERTO - Safado e viado! [...] Vai te lascar porra!
- MUÇÃO - Não, aí você faz e não tá lembrado que faz suas Mutretas.
- ROBERTO - Não interessa, isso foi sua mãe que fez! Sua mãe, sua mulé, o cara... (...) se você provar,
- tudo bem, mas se você não provar, você toma no c...comigo, tá certo? (...) seu fila da pu...
- MUÇÃO - Mas tu faz mutreta mermo?
- ROBERTO - Faço na ... da tua mãe!
- MUÇÃO - Mutreta! (Cai a ligação)
De todas as categorias disponíveis, a mais frequente no produto analisado se refere ao uso de frases ou expressões da espécie escatológica, por meio de ofensas e palavrões direcionados em sua maioria ao apresentador, seguida da espécie chocante. No total, foram 16 citações oriundas do grotesco chocante proferidas por Mução a fim de incitar a ira de Roberto que, por sua vez, pronunciou 23 palavras ou frases grotescas (sendo 19 escatológicas) contra o personagem como forma de se defender.
Nas expressões de conteúdo mais forte são inseridos efeitos sonoros que não permitem a audição completa dos termos pelo ouvinte, a exemplo de “Vá pra pu... que lhe pariu”. Outras, entretanto, são divulgadas sem interrupções, como é o caso do termo “porra” quatro vezes identificada nos fragmentos da decupagem. Ao todo foram proferidas 20 frases ou palavras de teor escatológico e 19 expressões grotescas da espécie chocante no quadro de Pegadinhas decupado, cuja duração total foi de 9 minutos.
Conclusão
A análise conclui ser o Programa do Mução um exemplo de produto midiático que se apropria da estética do grotesco com a finalidade de seduzir a audiência e que o uso de palavras de baixo calão nesse produto midiático visa ao rebaixamento de valores estabelecidos pela sociedade, na medida em que estimula o preconceito contra raça, gênero, etnia, classes sociais menos favorecidas e, como foi bastante identificado na nossa análise, a banalização dos valores morais quando veicula nacionalmente linguagem de baixo calão e termos pejorativos e ofensivos.
Os excessos apresentados no quadro das Pegadinhas que transformam em objeto de irrisão os personagens pertencentes a classes menos favorecidas ou que estão em posições desiguais no meio social não trazem senão um afastamento de seu público em relação à consciência crítica sobre os problemas sociais, valoriza o vocabulário baixo, além de fortalecer estereótipos.
O objetivo das Pegadinhas é fazer com que o receptor do trote emita o máximo de palavrões para que sua situação constrangedora resulte em momentos de riso, não um “riso” esporádico e saudável, mas cruel por parte dos ouvintes, na medida em que o objeto risível é a infelicidade alheia.
SODRÉ, Muniz, PAIVA, Raquel. O império do grotesco. Rio de Janeiro: Mauad, 2002.
ZAMPAR, Silvia. O uso do grotesco no humor das rádios FM de público jovem de São Paulo – Rádio Mix e 89 FM. Dissertação. São Paulo, Unip, 2010. Disponível em http://www.silviazampar.com.br/Rel/Dissertacao_Grotesco_SilviaZampar.pdf. Acesso em 01/08/2012.
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