terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Análise estética da pegadinha "Pisca-pisca" do programa do Mução



A pegadinha analisada tem como vítima uma mulher chamada Célia, nordestina casada com Clodoaldo e que foi indicada por uma filha que repassou para a produção do programa do Mução um apelido muito indesejado por Célia. Ela possui uma movimentação involuntária da pálpebra, piscando excessivamente os olhos e por isso recebeu a alcunha de "pisca-pisca", nome dado às luzes de Natal usadas para decoração de árvores e imóveis nesta época do ano.  O personagem, interpretado por Rodrigo Emerenciano, identifica-se com um representante da IRA, Instituição de Reclamação Alheia, obviamente uma instituição fictícia, mas que recebe crédito da receptora do trote:

- Dona Célia, a gente tá ligando porque os vizinhos tem reclamado muito que vocês aí tão passando dos limites com essas coisa de conversa, de fofoca, dessas coisas, sabe?
- [..] Não, não, minha família é da paz, nós não gosta de fofoca.
- Teve uma mulher que ligou muito irritada e disse que a senhora ficava até de madrugada acordada olhando por cima do muro pra ficar pastorando quando a filha dela chegava com o namorado e inventou que ela tinha pegado um bucho dele.

O esposo de Célia interrompe a conversar e passa a ser o receptor do trote:

- Quem fala?
- [..] tem aqui uma denúncia que o senhor bota em última altura dance, house e Mc Catra.
- Rapaz, nem som eu tenho aqui em casa.
- É, né, mas não é com som não. Às vezes é cantando alto, sabe essas múca imoral, som de cachorro engatado, até o vídeo de uma anta vocês tão butano pro povo ver com uma música imoral.

Seu Clodoaldo, por sua vez, se defende afirmando que as denúncias não são verídicas e se autodefine como "um homem direito", sem demonstrar nervosismo até o momento em que o locutor decide perguntar ao esposo da vítima o motivo das acusações recebidas: "deve ser algum corno!". A partir desse momento, Mução zomba do homem falando uma sequência de elogios seguidos de uma ofensa, que passa despercebida por Clodoaldo, um tipo de brincadeira que normalmente termina em riso porque avalia o nível de atenção do sujeito, objeto da chacota:

Mução:    Então quer dizer que o senhor é um homem direito, honesto, casado, pai de família, não faz barulho, e impotente, né? 

Clodoaldo:   Graças a Deus.

Perceba que assim como a receptora do trote, o esposo também transmite impressão de que é uma pessoa pouco instruída, as pegadinhas do programa, aliás, são exclusivamente direcionadas à pessoas com baixo nível de escolaridade, geralmente residentes do Nordeste brasileiro e inseridas nas classes C e D. Após toda a conversa descontraída, Mução decide proferir o apelido indesejado da esposa de Clodoaldo:

 - Ah, então é o senhor mesmo que é casado com Pisca-pisca! Ela tá aonde, hein?
- Tá dentro do c* da sua mãe e do seu pai, fila da pu**! E da sua mulher, se tiver mulher, fi duma égua. Vá tomar no c* você com sua mãe, com tudo, malandro! Vagabundo, fila da pu**, fi duma égua.

Irritado, o homem desliga o telefone. Durante a sequência de palavras referentes ao baixo corporal, Clodoaldo era constantemente interrompido por Mução que o incitava com termos como "Ei, ó o respeito!", "me respeite!" e "chame pisca-pisca!", acabando por deixar o homem ainda mais furioso. Antes de retornar o telefonema, os demais personagens do humorístico compactuam com o discurso do locutor, seja por meio de gargalhadas, seja pela emissão de comentários grotescos. Como é o caso da personagem Mamãe que profere frases grotescas todas as vezes em que o marido de Célia desliga o telefone: 'Vagabundo', 'fi duma égua', 'malandro' é você, seu corno véi safado; cachorro véi sem vergonho!; ei, bicho, ah uma jaula pra te botar dentro, corno véi safado, 'fela da gaita' é tu, nojento, né meu fio não!".

Mução retorna com as provocações:

- Clodoaldo, eu posso butar pisca-pisca na minha árvore de natal?

- Rapaz, você liga pro meu telefone pra dizer desaforo, dizer coisa feia pra mulher aqui. Você me respeita, você respeita a casa do cidadão, safado!

- E você é um cidadão safado?

-  Vem dizer isso pra mim aqui na minha casa, chega! Vem na minha porta, safado!

- Abra a porta que eu entro!

- Então, ó, você faça-me o favor, não liga mais pra minha casa não, vagabundo!

- Mas essa casa aí né de Célia e Seu Clodoaldo?

- É, casa é minha e o telefone é meu também!

- Ah, eu pensei que essa casa era de Pisca-pisca, desculpe.

- Apois me respeita, cabra safado, fila da put*!

Nesta pegadinha é possível identificar expressões comumente encontradas na linguagem coloquial, mais precisamente no vocabulário chulo, e com fortes referências às partes baixas do corpo. As declarações de Mução para as vítimas do trote provocam nelas um choque e, sentido-se ofendidas, demonstram seu repúdio de modo grotesco. Por outro lado, esse mesmo choque também é sentido pelo ouvinte, porém com uma consequência diferenciada: esse espanto acaba, geralmente, em riso.

No quadro analisado, a comicidade surge a partir de uma ação inesperada por parte da vítima do troteque é causador da comicidade gerada e ao mesmo tempo objeto do riso, numa situação denominada por Vladímir Propp de odurátchivanie, que significa "fazer alguém de bobo", através de atitudes repentinas e inesperadas, salientando o lado negativo do objeto em foco com a finalidade de rebaixá-lo: "O antagonista vale-se de algum defeito ou descuido da personagem para desmascará-la para o escárnio geral". (PROPP, 1992, p. 100).





Referências:

PROPP, Vladímir. Comicidade e Riso.São Paulo: Ática, 1992, p. 100.

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