terça-feira, 25 de março de 2014

O humor na música popular brasileira



O texto a seguir constitui um fragmento do artigo de Herom Vargas, intitulado "Humor na letra e humor na música" presente na obra Humor e riso na cultura midiática, de Roberto Elísio e Regina Rossetti (orgs.).

 A piada, o chiste, a paródia e o riso - diversas faces do humor - são manifestações bastante autênticas e estão em importantes comportamentos do nosso cotidiano, formas peculiares de relacionar amizade e alegria, de inverter lógicas de poder ou de elaborar determinados exercícios estéticos criativos que não veem muita importância no viés normativo da arte chamada de "séria". Outro aspecto curioso é que as sátiras permeiam vários níveis da sociedade e germinam em distintos espaços sociais. Das elites até o povo mais humilde, das situações formais, aos encontros fortuitos, a piada sempre está presente.

Dentro do vasto leque de manifestações da cultura, como é sempre avesso às formalidades e vive a corrompê-la, o humor teve vida longa e farta na música popular brasileira. Suas origens populares, vinculadas aos espetáculos das ruas (circos, festas, carnaval, dança, etc.), fizeram da música popular um campo privilegiado para a graça cômica. A piada reinou constante no Carnaval, seja nas fantasias, nas inversões paródicas, nas festas, e a dinâmica carnavalesca possibilitou amplos espaços na música para os recursos cômicos. As marchinhas foram grandes exemplos em que a verve satírica se manifestava.

Em suas letras, personagens e situações eram invertidos, os dominantes e poderosos eram alegremente destronados e ritos sociais, questionados. Uma das mais antigas é Pé de anjo, de Sinhô, gravada em 1919 por Francisco Alves, cuja a letra ironizada o tamanho dos pés de China, Olavo da Rocha Viana, irmão de Pixinguinha: "Ó pé de anjo/ És rezador, és rezador/ Tens um pé tão grande/ Que capaz de pisar/ Nosso Senhor, Nosso Senhor". Noutra célebre marcha carnavalesca Mamãe, eu quero,  de Jararaca e Vicente Paiva, gravada por Carmem Miranda em 1939 e tocada até hoje nos salões e ruas, o cunhado é sacaneado: "Eu tenho uma irmã/ Que é fenomenal/ Ela é da bossa/ E o marido é um boçal".




"Mamãe, eu quero"  cantada por Carmem Miranda (1943).


No samba, o cômico também sempre esteve presente. Em Palpite infeliz, de Noel Rosa, dentro da polêmica com Wilson Batista: "A vila é uma cidade independente/ Que tira samba, mas não quer tirar patente/ Pra que ligar a quem não sabe onde tem o seu nariz/ Quem é você que não be o que diz?".

Outro gênero farto em piadas e gaiatices era a música caipira fazendo troça da gente da cidade ou de qualquer "causo" conhecido. São famosas as modas de Cornélio Pires e mais ainda as músicas das tradicionais duplas Jararaca e Ratinho e Alvarenga e Ranchinho, cantadas em programas de rádio. Um exemplo digno do humor dessa segunda dupla é a modinha Romance de uma caveira, gravação de 1940: "Ao longe uma coruja cantava alegre/ De ver os dois caveiro assim feliz/ E quando se beijava em tom fúnebre/ A coruja batendo as asas pedia bis". No rock,  a lista também é grande, desde Festa de arromba,  de Roberto e Erasmo Carlos (1964), da Jovem Guarda, em que vários artista do movimento se encontram num festa, até as censuradas Rock das aranhas, de Raul Seixas (1980), e Inútil, do grupo Ultraje a Rigor, de 1983.


 Rock das aranha , de Raul Seixas (1981).


Fonte: SANTOS, Roberto; ROSSETTI, Regina (Org.). Humor e riso na cultura midiática. São Paulo: Paulinas, 2012.  

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