sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Entrevista com Muniz Sodré


A entrevista que você lerá a seguir foi realizada em julho de 2002 por Cristiane Costa, editora do Idéias, publicada pela editora Sulina e que está disponível na internet. Nela o professor Muniz Sodré*, autor de mais de 30 livros e um dos poucos no Brasil a abordar o grotesco na mídia, responde às principais perguntas envolvendo o tema. Selecionamos os seguintes trechos da entrevista:

Muniz Sodré. Foto divulgação.

- Seu livro A comunicação do grotesco data dos primórdios da televisão no Brasil. Mas antecipa muita coisa que está acontecendo agora. O grotesco não evoluiu?

- É preciso ver que a televisão não é um meio único. É tecninamente um veículo em evolução.  (...) Ela evoluiu tecnicamente, mas, do ponto de vista dos conteúdos estruturais, mudou pouco. (...). Ficou evidente é que, sempre que a televisão precisa de público, apela para o grotesco. É uma categoria estética recorrente na vida brasileira.

- Por quê? 

- Porque o grotesco é a estética da hibridização de universos culturais diferentes. O grotesco exaspera essas diferenças. Foi a ele que a TV, no final da década de 60, apelou quando quis atrair os migrantes de segunda e terceira geração, das classes C e D, cujo universo cultural é o do circo, da praça, da feira.

- E hoje?

- A televisão é mais do que nunca uma imensa praça pública, uma feira de diversões, um show de horrores. O espaço público brasileiro - que hoje é eminentemente televisivo, porque a política está se retraindo - virou um imenso circo. Aí o grotesco se torna a categoria estética dominante. Se antes estava presente basicamente nos programas de auditório, hoje está em todo lugar, colonizou tudo (...).

- Mas continuaria restrito a um público de classe C e D ou já teria seduzido as classes mais altas?

- É um fenômeno geral. Na verdade, todo e qualquer público se compraz do ridículo do outro. (...) O grotesco, muitas vezes, pode ter uma função crítica. O grotesco é uma atitude, um comportamento social, assim como o barroco era uma atitude diante da vida e não só uma categoria estética. O grotesco é uma variação do maneirismo, que por sua vez é um momento do barroco. Não é difícil esbarrar num comportamento grotesco, como a festa de aniversário para o cachorro de uma socialite. O grotesco gera uma reação de estranhamento tanto na arte quanto na vida.

- Para que serve o grotesco na mídia? Por que ela se apropria dele?

- Sendo o grotesco uma estética perfeita para arregimentar público, tem a capacidade de atrair tanto as classes mais baixas quanto um telespectador de nível mais elevado. Mas esse efeito de estranhamento pode funcionar para seduzir o público e prendê-lo diante da tela até chegar o comercial, como também ajudar a desvelar o poder de uma determinada estrutura. (...) O grotesco tem uma função alienante, mas também pode ter uma função altamente crítica.

"Chaplin, por exemplo, fazia isso. Tudo é muito engraçado, mas há uma violência
por trás da figura do palhaço." - Sodré.

- A emergência do grotesco não seria também um reflexo da democratização do gosto? E a crítica aos programas grotescos uma reação das elites intelectuais que não ditam mais o que é bom ou mais em matéria de cultura?

- Popularização não é necessariamente sinônimo de grotesco. (...) O grotesco começa no popularesco, que é uma transfiguração do popular visando a seu reaproveitamento para difusão de um público maior.

- Isso não seria uma forma de democratização?

- Devemos no deter mais nessa palavra: democratização. Ela foi usada pela primeira vez pela esquerda francesa, como sinônimo de igualdade e liberdade. Descontextualizada pelo mercado, democratização passou a significar apenas liberdade: a liberdade de escolher produtos. Ora, democratização de consumo não é a mesma coisa que democratização política. A democratização do gosto me parece ser uma contrafação da relação cultural, um termo que vai ocultar a forma como a mídia sufoca a manifestação cultural do povo, pega os signos dessa manifestação, difunde para um grande número de pessoas e vende uma ilusão de jogo democrático, quando o que temos é apenas um efeito, um democratismo.

- Mas a televisão argumenta que mostra o que o povo quer ver, que esse tipo de programação dá Ibope.

- Em parte isso é verdade. Lacan já dizia que, depois de certo tempo, a televisão é igual a seu público. Isso quer dizer que aquele público foi constituído pela televisão e responde a seus estímulos. É uma relação circular. É claro que dentro de uma relação de cumplicidade, de parceria, se alguma coisa muito diferente for dada, o público não aceita. O público não é vítima de monstros capitalistas que querem dar a ele baixa cultura, não é nada disso.

 
O problema é quando as estruturas responsáveis pela criação e manutenção da televisão não dão margem mais para a diversidade, a heteregeneidade da produção cultural. O Estado tem obrigação de intervir e financiar a cultura, porque a formação da população de um país depende disso.



 - Mas como se faria isso?

- Primeiro, com uma rede pública de televisão forte e atuante. Segundo, com o fortalecimento do ensino de primeiro e segundo grau. O grande erro das avaliações sobre a qualidade da programação da televisão é achar que ela está sozinha. Para que ela se constituísse como tal no Brasil, foi preciso o desvio de investimentos que poderiam ser aplicados em outros setores, como a educação. (...) A alternativa para o baixo nível da televisão brasileira não é elevar seus conteúdos. Isso é besteira. A alternativa é educação.

 - Por que a televisão é tão violenta?

- Quanto mais nos acarneiramos, mais atraídos pela violência somos, porque ela continua em nós. Mas o soco do herói, na televisão, é um recurso de economia semiótica. Ele economiza duas horas de discurso sobre o bem.

- Isso tem influência na formação de uma sociedade violenta?

- Acredito que não diretamente. O que influencia é a banalização do fenômeno, já não nos escandalizamos tanto com a violência quanto antes.



* Muniz Sodré de Araujo Cabral, é professor-titular pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É um pesquisador brasileiro e latino-americano no campo da comunicação e do jornalismo.


A entrevista completa está disponível em: http://www.editorasulina.com.br/imprensa_pdf.php?id=25 Acesso em 16/08/2013.

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