sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Das feiras livre ao meio televisivo



A cultura popular é geralmente associada ao espetáculo junto à massa economicamente subalterna, que comparece aos espaços públicos para divertir-se por meio do contato com artistas e para contemplar os festejos típicos destes locais. Com o desenvolvimento da chamada “sociedade de massa”, há a transferência da atmosfera “praça popular" para os veículos de comunicação midiática, a começar pelo rádio e em seguida a geração televisiva. É o caso das encenações melodramática  (radionovelas, telenovelas), jogos de feira (competições, sorteios, etc.), variedades (programas de auditórios, shows, atrações circenses), entre outros.

Sodré e Paiva analisam a programação de TV brasileira a partir da década de 60, quando a publicidade passou a ser inserida na grade da programação televisiva e com a introdução do ethos festivo de praça pública, já presente nos conteúdos radiofônicos. Surge, então, o fenômeno do popularesco que define a espontaneidade popular industrialmente transposta e manipulada por meios de comunicação de massa, com vistas à captação e ampliação de audiência urbana. Neste caso, os conteúdos e os formatos dos programas radiofônicos, das chanchadas cinematográficas e as atrações das praças e feiras foram transpostos nos programas televisivos na metade dos anos 60.

Chacrinha fez sucesso como apresentador de programas de auditório entre
as décadas de 1950 e 1980. Foto: Internet.

Os autores criticam o modo com que foi inserida a televisão no Brasil. Segundo eles, o país não possuía ainda uma estrutura industrial específica, nem um número suficiente de aparelhos receptores, contudo a chega do invento foi tida na época como um ícone de progresso e que ele foi resultante de uma modernização autoritária.

 Em 1964, as TVs Tupi, Record e Globo já figuravam entre as três maiores emissores do pais, sendo esta última a mais poderosa em termos econômicos e de programação, apropriando - se da gramática do rádio que pode ser percebida nas telenovelas (radionovelas), nas entrevistas e nos programas de auditório que recriava a espontaneidade dos espetáculos públicos.

Nesta conjuntura televisiva, surgem e impõem, segundo  o livro O império do grotesco, programas nos moldes das "feiras livres", pautados por recursos de rebaixamento de padrões e simplificação e simplificação das mensagens a fim de permitir a assimilação por um público mais amplo.  É certo que a televisão revelou-se importante dispositivo de articulação nacional, na medida em que constituiu como público categorias sociais das mais diversas.

Sodré e Paiva dissertam que semioticamente a televisão e seu público confundem-se, pois a matéria-prima para os conteúdos discursivos da TV são as “representações sociais” que incorporam opiniões, atitudes, informações realistas e imaginárias relativas à vida cotidiana, essas representações formam um "corpo grupal", reinterpretando determinados discursos do senso comum a fim de tornar-se mais assimilável pelo público. É essa ideia que privilegia fortemente a ótica do grotesco.

Primeiro, porque suscita o riso cruel, que na contemporaneidade  é um importante recurso utilizado pela mídia e define-se ora como gozo pelo sofrimento alheio, ora como indiferença perante questões éticas ou sociais.

Segundo, porque determinadas impotências humanas podem ser supridas pela visão de sorteios e prêmios em face de que essas necessidades não poderão ser supridas pelo Estado. Terceiro, porque o grotesco chocante - modalidade dominante na programação televisiva - permite encenar o povo e ao mesmo tempo, mantê-lo à distância. Dão voz a energúmenos, ignorantes, violentados, aberrantes para mostrar a realidade tal como ela é, sem que o choque atinja as causas sociais.

Os autores defendem a tese de que as emissoras exibem aquilo que o público quer ver, a audiência não é vítima e sim cúmplice de um ethos a que se habituou. Os olhares da TV estão voltados para a audiência e a rentabilidade de mercado, todas as emissoras vão tendo aos poucos de seguir a lógica da captação do olhar, por mais grosseira que seja.





Referência bibliográfica: 
SODRÉ, Muniz; PAIVA, Raquel. O império do grotesco. Rio de Janeiro: MAUD, 2002.

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