sexta-feira, 22 de março de 2013

Cinquenta tons de cinza, Onze minutos e Bocatorta - o que estes livros têm em comum?



A escatologia. A referência constante a tudo o que é baixo, literalmente: as partes baixas do corpo, os órgãos genitais e tudo a eles relacionados, tais como secreções, dejetos e cópula. Para Sodré e Paiva (2002), o grotesco escatológico "reduz o espiritual de qualquer cerimônia ao material do corpo" (SODRÉ; PIVA, 2002. p. 68) e está presente no cinema, na televisão, no rádio (por intermédio da fala, geralmente sob a forma de termos ou expressões de baixo calão), mas também pode ser identificado na literatura, como veremos a seguir. 


Cinquenta tons de cinza -  E. L. James



Fidty Shades of Grey (Cinquenta Tons de Cinza, no Brasil) é um romance erótico, bestseller da autora inglesa Erika Leonard James publicado em 2011.  O primeiro livro de uma trilogia que está sendo tratado como o "pornô das mamães" vendeu mais de 10 milhões de livros nas seis primeiras semanas. O título faz referência a um trocadilho com o nome do mestre da dominação descrito no livro, "Christian", de sobrenome "Grey" (traduzido do inglês, "cinza").

Cinquenta tons de cinza retrata Anastasia Steele, uma virgem de 21 anos da Faculdade de Literatura que, após entrevistar Christian Grey para o jornal da faculdade, passa a ter um relacionamento com o magnata. A trama se desenrola em Seattle. Anastasia descobre, por meio de Grey, o mundo do sadomasoquismo, tornando-se sua escrava sexual, com ricos detalhes de bondage, sadismo e masoquismo. Abaixo, um pequeno trecho da obra que mesmo sem o conteúdo seu erótico dominante, o deixa transparecer:  

[...] Suas mãos descem pelo meu corpo, sobre meus seios, enquanto os lábios deslizam pelo meu pescoço. Acaricia-me com a ponta do nariz, e logo, com a boca, dá início a uma lenta travessia para o sul [...].

Foto: Divulgação.


Onze minutos - Paulo Coelho


Onze minutos é um livro de Paulo Coelho publicado em 2003. Nele, o autor brasileiro conta a história de Maria, uma jovem que sofreu desde cedo com a decepção amorosa. Aliciada pela promessa de uma vida melhor, parte para a Europa, onde passa a trabalhar como prostituta em Genebra, na Suíça - o título da obra, aliás, faz referência ao tempo de cada programa. Maria apaixona-se por um famoso pintor e antigo cliente, passando a conviver com o dilema entre retornar ao Brasil e perder seu amado, ou permanecer na Europa correndo o risco de se decepcionar novamente. A escatologia é facilmente identificada na maneira espontânea com que a personagem principal trata sua sexualidade e nos detalhes com que o autor narra a história.

  Deixei que me penetrasse pelo tempo que fosse necessário, suas unhas agora estavam cravadas nas minhas nádegas, e eu ali de bruços, na mesa da cozinha, pensando que não existia melhor lugar no mundo para fazer amor. [...] carne com carne, osso com osso, eu ia para um segundo orgasmo, ele ia também, e nada disso - nada disso era MENTIRA! [...] Não foram onze minutos, mas uma eternidade. (COELHO, 2003. p. 103)

Foto: Divulgação.


"Bocatorta" - Monteiro Lobato


"Bocatorta" é o conto que integra o livro Urupês, coletÂnea de contos do escritor brasileiro Monteiro Lobato, considerada sua obra-prima e publicada originalmente em 1918. Inaugura na literatura brasileira um regionalismo crítico e mais realista do que o praticado anteriormente, durante o romantismo. A crônica que dá título ao livro traz uma visão depreciativa do caboclo brasileiro, chamado pelo autor de "fazedor de desertos", estereótipo contrário à visão romântica dos autores modernistas. 

Os contos dos livro são: "Pollice Verso", A colcha de retalhos, Um suplício moderno, Meu conto de Maupassant, Bucólia, O mata-pau, Bocatorta, O comprador de fazendas, O estigma, Velha praça e Urupês. Bocatorta é caracterizado com um rapaz negro considerado hediondo e mosntruoso que vive no mato. Todo o conto oferece, além do grotesco escatológico, outras modalidades expressivas, como a teratologia e o grotesco chocante, através da descrição horripilante e racista do personagem principal. Um dos exemplos escatológicos ocorrem quando Bocatorta é flagrado desenterrando o corpo de Cristina e, com isso, suspeito de ter praticado necrofilia: 

[...] um corpo branco jazia fora do túmulo - abraçado por um vulto negro e colante como o polvo. O pai de Cristina Inicia uma luta com o monstro [...]

Foto: Divulgação.



A escatologia é uma palavra derivada do grego antigo que significa "último", seguido do sufixo -logos, que quer dizer "estudo". É o estudo sobre os excrementos, os dejetos humanos, bem como às secreções, partes do corpo, genitálias, por exemplo, dentre outros. O termo é usado por Muniz Sodré, pesquisador brasileiro e latino-americano no campo da comunicação, como uma das modalidades expressivas do grotesco. (leia mais sobre o discurso escatológico aqui.)




Referências:
LOBATO, Monteiro. Urupês. 37. ed. revisada . São Paulo brasiliense, 1994.
SODRÉ, Muniz; PAIVA, Raquel. O império do grotesco. Rio de Janeiro: MAUD, 2002. p. 68.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Onze_Minutos
http://pt.wikipedia.org/wiki/Fifty_Shades_of_Grey

3 Deixe seu comentário::

  1. Opa, houve algum engano? Vim aqui por ver a o título memórias póstumas de Brás Cubas e o que vejo no lugar dele é Urupês...

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    Respostas
    1. Olá Mago, houve sim um engano (já corrigido) no título desta postagem. Na verdade "Memórias Póstumas de Brás Cubas" também se apropria da escalogia, porém resultando em 'nojo', sem a eroticidade ou referência a ela vistas em Bocatorta, de Urupês: "AO VERME QUE PRIMEIRO ROEU AS FRIAS CARNES DO MEU CADÁVER DEDICO COMO SAUDOSA LEMBRANÇA ESTAS MEMÓRIAS PÓSTUMAS" (Machado de Assis).

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  2. Muito interessante, parabéns.

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